LIFEBUOY

As cores são o que retenho da minha infância, o que tenho em memória. Os carrinhos vermelhos dos dois anos, que desmanchei e nunca mais voltei a montar correcto, as patilhas que encaixavam nos buracos partiam com facilidade, como com facilidade levava uma tapona da minha mãe. O pai não batia. Olhava para mim e para aquele amontoado de latas com rodas e dizia que haveria de ser engenheiro mecânico.
Até um patinho de corda, aos 4 anos, verde alface, só fez a primeira viagem de ida. A pancada, essa, foi de ida e volta. Como de ida foi um descapotável que ganhava balanço com as mãos, as motas de 4 rodas primeiro e metamorfoseadas em duas rodas depois e por fim sem roda nenhuma.
E o meu pai acertou!
Foi já nos pavilhões de Mecânica, paredes meias com os hangares do aeroporto de Luanda que à memória visual se juntou a memória olfactiva.

Imponente no seu NSU, julgo que PRINZ 4, motor atrás, cor azul, vinha o nosso colega Míguéis, pulseira de prata no braço direito, testa rectangular, corpo atlético tipo 4x4, cabelo curto, sorriso forçado entre os dentes cerrados, livros e mais cadernos debaixo do braço.
Pronto para as sessões de Mecânica, se calhar por também estragar os carrinhos  que recebia, de lata e corda metálica de enrolar, com as patilhas a encaixar nos buracos e a partirem quando davam uma virada.
O Miguéis, infelizmente já não está entre nós, e como gostaria que alguém me arranjasse uma foto em que ele estivesse presente ..., um amigo calado e muito reservado, de olhos à chinês quando sorria entre os dentes cerrados.
Lembro-o como se fosse hoje!

Mas a sua maior particularidade era o cheiro que exalava, em especial pela manhã. Nada de catingas , ou Channels ou Armanis. Era o cheiro do sabonete vermelho que usava, o cheiro do Lifebuoy.
Graças a mim, o Miguéis ficou para sempre conhecido como o Lifebuoy!

Jorge, "o Grave"